O
cientista político Bolívar Lamounier previu no artigo “A
'mexicanização' em marcha”, escrito antes de Dilma ser eleita em
agosto de 2010, que o regime petralha em caso de vitória de Dilma
realizaria, sob o comando de Lula, uma operação para consolidar
sua hegemonia, aniquilando seus opositores. O cenário sombrio vem se
confirmando: os tucanos e demais opositores perdem espaço para
partidos governistas (PSB e PSD) e o regime petralha não sofre
nenhum tipo de oposição a seu discurso único (apenas divergências
internas, como a entre PT e PSB sobre a sucessão presidencial). Segue abaixo a previsão de Bolívar
Lamounier:
“A
'mexicanização' em marcha
24
de agosto de 2010 | 0h 00
Bolívar
Lamounier - O Estado de S.Paulo
O
processo sucessório presidencial em curso comporta dois cenários
marcadamente assimétricos, conforme o vencedor seja José Serra ou
Dilma Rousseff. Se for José Serra, não é difícil prever a cerrada
oposição que ele sofrerá por parte do PT e dos "movimentos
sociais", entidades estudantis e sindicatos controlados por ele
- e, provavelmente, do próprio Lula. Se for Dilma Rousseff - como as
pesquisas estão indicando -, o cenário provável é a ausência, e
não o excesso, de oposição.
Para
bem entender esta hipótese convém levar em conta dois fatos
adicionais.
Primeiro,
o cenário Dilma não se esgota na figura da ex-ministra. Ele inclui,
entre os elementos mais relevantes, o controle de ambas as Casas do
Congresso Nacional pela dupla PT e PMDB. Inclui também uma entidade
institucional inédita, personificada por Lula. Semelhante, neste
aspecto, a um aiatolá, atuando de fora para dentro do governo, Lula
tentará, como é óbvio, influenciar o conjunto do sistema político
no sentido que lhe parecer conveniente ao governo de sua pupila ou a
seus próprios interesses. Emitirá juízos positivos ou negativos,
em graus variáveis de sutileza, sobre medidas tomadas pelo governo e
regulará não só o comportamento da base governista no Congresso,
mas também os movimentos de sístole e diástole da "sociedade
civil organizada" - entendendo-se por tal os sindicatos,
segmentos corporativos e demais organizações sensíveis à sua
orientação.
O
segundo fato a considerar é a extensão da derrota que Lula terá
conseguido impor à oposição. Claro, a eventual derrota será
também consequência das ambiguidades, das divisões e dos equívocos
da própria oposição, mas o fator determinante será,
evidentemente, a ação de Lula e do esquema de forças sob seu
comando. Deixo de lado, por óbvio, as condições econômicas
extremamente favoráveis, o Bolsa-Família, a popularidade do
presidente, etc.
José
Serra ficará sem mandato até 2012, pelo menos. No Senado - a menos
que sobrevenha alguma reorganização das forças políticas -, Aécio
Neves fará parte de uma pequena minoria parlamentar, situação em
que ele dificilmente exercerá com desenvoltura as suas habilidades
políticas.
Nos
Estados, os governadores eventualmente eleitos pelo PSDB, sujeitos ao
torniquete financeiro do governo federal, estarão igualmente
vulneráveis ao rolo compressor governista. Longe de mim subestimar
lideranças novas, como a de Beto Richa, no Paraná, e a de Geraldo
Alckmin, em São Paulo. Mas não é por acaso que Lula já se apresta
a batalha por São Paulo, indicando claramente a sua disposição de
empregar todo o arsenal necessário a fim de reverter o favoritismo
tucano neste Estado.
Resumo
da ópera: no cenário Dilma, o conjunto de engrenagens que Lula
montou ao longo dos últimos sete anos e meio entrará em pleno
funcionamento, liquidando por certo período as chances de uma
oposição eficaz. A prevalecer tal cenário, parece-me fora de
dúvida que a democracia brasileira adentrará uma quadra histórica
não isenta de riscos.
É
oportuno lembrar que o esquema de poder ora dominante abriga setores
não inteiramente devotados à democracia representativa, adeptos
seja do populismo que grassa em países vizinhos, seja de uma
nebulosa "democracia direta", que de direta não teria
nada, pois seus atores seriam, evidentemente, movimentos radicais e
organizações corporativas. Claro indício da presença de tais
setores é a famigerada tese do "controle social da mídia",
eufemismo para intervenção em empresas jornalísticas e imposição
de censura prévia.
Na
Primeira República (1889-1930), a "situação" - ou seja,
os governantes e seus aliados nos planos federal e estadual -
esmagava a oposição. Foram poucas e parciais as exceções a essa
regra. Mas a estratégia levada a cabo por Lula está indo muito
além. É abrangente, notavelmente sagaz e tem um objetivo bem
definido: alvejar em cheio a oposição tucana. Para bem
compreendê-la seria mister voltar ao primeiro mandato, ao discurso
da "herança maldita", sem precedente em nossa História
republicana no que se refere ao envenenamento da imagem do
antecessor; à anistia, retoricamente construída, a diversos
corruptos e até a indivíduos que se aprestavam a cometer um crime -
os "aloprados"; e aos primórdios da estratégia
especificamente eleitoral, ao chamado confronto plebiscitário, em
nome do qual ele liquidou no nascedouro toda veleidade de autonomia
por parte de quantos se dispusessem a concorrer paralelamente a Dilma
Rousseff. A Ciro Gomes Lula não concedeu sequer a graça de uma
"sublegenda", para evocar um termo do período militar.
Para
o bem ou para o mal, a única oposição político-eleitoral
potencialmente capaz de fazer frente ao rolo compressor lulista é a
aliança PSDB-DEM-PPS. No horizonte de tempo em que estou pensando -
digamos, os próximos quatro anos -, não há alternativa. Portanto,
a operação a que estamos assistindo, com seu claro intento de
esterilizar ou virtualmente aniquilar essa aliança, coloca-nos nas
cercanias de um regime autoritário.
Sem
a esterilização ou o aniquilamento político-eleitoral da
mencionada coalizão, não há como cogitar de um projeto de poder
hegemônico, de longo prazo e sem real alternância de poder. A
esterilização pode resultar de uma estratégia deliberada por parte
do comando político existente em dado momento, de uma conjunção de
erros, derrotas e até fraquezas das próprias forças oposicionistas
- ou de ambas as coisas.
Sociologicamente
falando, não há funcionamento efetivo da democracia, quaisquer que
sejam os arranjos constitucionais vigentes, num país onde não
exista uma oposição eleitoralmente viável. Haverá, na melhor das
hipóteses, um autoritarismo disfarçado, um "chavismo branco"
ou, se preferem, um regime mexican style - aquele dominado durante
seis décadas pelo PRI, o velho Partido Revolucionário Institucional
mexicano.”
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