Para
começar bem O ANTIPETRALHA, segue texto do saudoso jurista Miguel
Reale, escrito em 2005, sobre o maior caso de corrupção já
documentado na História do Brasil:
"SOCIALISMO
À BRASILEIRA, COM CORRUPÇÃO
MIGUEL REALE
A
esta altura dos acontecimentos determinados pelo Partido dos
Trabalhadores, temos elementos bastantes para a apuração da
verdade, transcendendo o plano dos meros indícios.
A
verdade é demonstrada geralmente por três teorias, a
da correspondência, a
da coerência e
a da pragmática.
No seu Novo
Dicionário de Lógica, Leonidas
Hegenberg e Marilúze Ferreira de Andrade e Silva assim as definem:
“(1) a teoria da correspondência afirma
que uma proposição (ou um significado) é verdadeira (o) se existe
algum fato ao qual corresponda; em outras palavras, uma proposição
é verdadeira se expressa o que efetivamente ocorre (a
correspondência em tela fica implícita, em geral, como se fosse
fácil de perceber ou compreender); (2) a teoria da coerênciaafirma
que “verdade” seria atributo de sistemas. Uma proposição é
verdadeira, por esse prisma, quando elemento necessário de um “todo”
sistemático e coerente; (3) enfim, a teoria pragmática afirma
que uma proposição é verdadeira na medida em que “funcione”ou
“se revele satisfatória”. Note-se que esse “funcionar”
(“revelar-se satisfatória) fica, em geral, estabelecido de muitos
modos, de acordo com as preferências pessoais dos defensores da
teoria.”
Pois
bem, os fatos ocorridos desde as surpreendentes revelações do
deputado Roberto Jefferson, quando se desentendeu com seus pares, não
são senão a confirmação de um fato fundamental e verdadeiro, sob
os três pontos de vista supra expostos: a transformação do PT em
um partido único cujo plano consistia em realizar um gigantesco
desvio de verbas para, mediante elas, se apossar da máquina
administrativa do Estado, graças ao pagamento de vultosas
contribuições dadas a dezenas de parlamentares, e seus associados.
Já se elevaram a dezoito o nome dos deputados que já tiveram suas
responsabilidades comprovadas para base de cassação de mandato.
Felizmente,
Jefferson fez seu clamoroso pronunciamento, sem o qual a nação
teria sido exposta a não perceber a trama existente até as eleições
do próximo ano.
Não
há mais dúvida sobre a relação entre o empresário Marcos Valério
e o Tesoureiro do PT, Delúbio Soares, em impressionante
correspondência com as épocas em que se tornaram necessárias as
operações programadas, havendo conformidade perfeita entre os atos
praticados e as contribuições pagas, impropriamente
denominadas mensalão,
pois não faz diferença que um deputado receba pagamentos ilícitos
de mês a mês ou de uma só vez.
Além
de atender a essa correspondência, as quantias recebidas pelos
deputados vinham satisfazer a seus fins visados, quer
fosse a título de pagamento de campanha eleitoral, quer como
retribuição personalíssima. Existe, ademais, um perfeito
atendimento dos fins pragmáticos, com admirável coerência com a
estrutura montada, tendo como base a correlação entre o empresário
Marcos Valério e o tesoureiro Delúbio Soares, ambos agindo,
supostamente, como longa
manus do
Ministro Chefe da Casa Civil, deputado licenciado.
Os
dados até agora obtidos já demonstram a proporcionalidade existente
entre o valor dos saques feitos pelos parlamentares, à revelia da
lei e dos bons costumes, e o destino de seus atos, em
uma coerência que
teria sido extraordinariamente vantajosa se realizados para fins
lícitos ou em benefício do bem comum.
Estando,
desse modo, comprovada a verdade da corrupção, convertida em
fundamento de uma original socialização de bens públicos, tudo
sempre às ocultas da fiscalização da Justiça Eleitoral, não há
que vacilar quanto à apuração das responsabilidades e à severa
punição dos culpados.
Assim
sendo, não há como pensar em acordo ou em medidas cautelares, a fim
de ficar demonstrado o caráter benigno de nossa experiência
democrática.
A
democracia não é absolutamente incompatível com o rigor das penas
aplicáveis aos que ferem os princípios básicos do Estado de
Direito. Ao contrário, exatamente pelo espaço de liberdade que
consentem, devem os democratas verdadeiros ser implacáveis no que se
refere à aplicação da lei cabível em cada caso.
O
essencial é que haja plena correlação entre o que é proclamado e
os fatos aprovados, como se dá com a existência de um banco dotado
de relacionamento e competência especiais com a tesouraria de um
partido político, atendendo prontamente aos saques solicitados pelos
parlamentares. Tudo indica a ocorrência de comportamentos efetivos
no quadro coerente de uma estrutura pré-estabelecida.
Não
se diga que estou sendo complacente quando admito a hipótese da não
participação do presidente da República, pois, salvo seja, não me
parece que até agora tenha sido encontrado indício veemente dessa
interferência. Prefiro admitir antes uma omissão resultante de quem
demonstrou pouca vocação para o exercício da função
administrativa. Resultante condenável e sinal de manifesta
incompetência por parte de quem se acha no mais alto cargo da
República, mas que não implicou, até agora, na realização de
atos que justifiquem a decretação de seu impedimento, tal como
previsto na Constituição.
O
que houve foi a desilusão dos intelectuais marxistas da USP que
sonharam com um PT organizado e atuante como um partido socialista de
cunho ético, o que, porém, não lhes dá o direito de proclamarem,
como fez a filósofa Marilena Chauí, que “o verdadeiro engajamento
exige muitas vezes que fiquem em silêncio”...
A
verdade, ao contrário, exige o reconhecimento dos que erraram ou
traíram a própria causa, concordando com a sua punição exemplar.
Fora disso, o que há é apenas omissão e complacência ominosas.
Admito,
mesmo após o naufrágio do “socialismo real”, com o fracasso da
URSS, que se aspire por um socialismo eqüitativo e ético, mas,
quando a corrupção passa a ser a razão de ser de seu dinamismo, só
nos resta aplicar as penas que a Constituição e as leis ordinárias
determinam.
É
o que a nação espera, nesta que é a maior crise moral e política
da história da República, não se podendo admitir que o Poder
Judiciário possa interferir na competência privativa do Legislativo
na alta missão que lhe confere a Constituição.
24.09.05”
Fonte: www.miguelreale.com.br
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