quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

LIMA BARRETO TRADUZ A FOTO DA VERGONHA


     Condenado por corrupção pelo STF (Supremo Tribunal Federal) no caso do mensalão, o petista José Genoino foi aplaudido por congressistas. A foto de André Borges, da Folhapress, retrata a sem-vergonhice e a decadência moral dos congressistas brasileiros:


    Quase 100 anos atrás, Lima Barreto ironizava por meio da literatura a falta de compromisso dos políticos brasileiros perante o povo que os elegeu. Vejamos:

Lima Barreto

O novo manifesto

    Eu também sou candidato a deputado. Nada mais justo. Primeiro: eu não pretendo fazer coisa alguma pela pátria, pela família, pela humanidade.

    Um deputado que quisesse fazer qualquer coisa dessas, ver-se-ia bambo, pois teria, certamente, os duzentos e tantos espíritos dos seus colegas contra ele.

   Contra as suas idéias levantar-se-iam duas centenas de pessoas do mais profundo bom senso.

    Assim, para poder fazer alguma coisa útil, não farei coi­sa alguma, a não ser receber o subsídio.

    Eis aí em que vai consistir o máximo da minha ação parlamentar, caso o preclaro eleitorado sufrague o meu nome nas urnas.

    Recebendo os três contos mensais, darei mais conforto à mu­lher e aos filhos, ficando mais generoso nas facadas aos amigos.

    Desde que minha mulher e os meus filhos passem melhor de cama, mesa e roupas, a humanidade ganha. Ganha, porque, sendo eles parcelas da humanidade, a sua situação melhorando, essa melhoria reflete sobre o todo de que fazem parte.

    Concordarão os nossos leitores e prováveis eleitores, que o meu propósito é lógico e as razões apontadas para justificar a minha candidatura são bastante ponderosas.

    De resto, acresce que nada sei da história social, política e intelectual do país; que nada sei da sua geografia; que nada entendo de ciências sociais e próximas, para que o no­bre eleitorado veja bem que vou dar um excelente deputado.

    Há ainda um poderoso motivo, que, na minha consciên­cia, pesa para dar este cansado passo de vir solicitar dos meus compatriotas atenção para o meu obscuro nome.

     Ando mal vestido e tenho uma grande vocação para elegâncias.

    O subsídio, meus senhores, viria dar-me elementos para realizar essa minha velha aspiração de emparelhar-me com a deschanelesca elegância do senhor Carlos Peixoto.

    Confesso também que, quando passo pela Rua do Passeio e outras do Catete, alta noite, a minha modesta vaga­bundagem é atraída para certas casas cheias de luzes, com carros e automóveis à porta, janelas com cortinas ricas, de onde jorram gargalhadas femininas, mais ou menos falsas.

   Um tal espetáculo é por demais tentador, para a minha imaginação; e, eu desejo ser deputado para gozar esse paraí­so de Maomé sem passar pela algidez da sepultura.

  Razões tão ponderosas e justas, creio, até agora, nenhum candidato apresentou, e espero da clarividência dos homens livres e orientados o sufrágio do meu humilde nome, para ocupar uma cadeira de deputado, por qualquer Estado, pro­víncia, ou emirado, porque, nesse ponto, não faço questão alguma.

     Às urnas.
Correio da Noite, Rio, 16-1-1915



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