Mais uma vez, o jurista
Raul Haidar escreveu excelente texto sobre a injustiça vigente no sistema
tributário brasileiro. Ele mostra que o Governo Federal manipula
índices para que o cidadão pague mais imposto do que deveria.
Vejamos o artigo escrito
hoje no site do Conjur:
“Todos
somos vítimas do IR e isso precisa mudar
Por
Raul Haidar
O
imposto de renda tem seu fato gerador definido no artigo 43 do Código
Tributário Nacional como sendo a aquisição de disponibilidade que
decorra de renda ou proventos e tal artigo teve dois acréscimos
oriundos da LC 104. Por tais acréscimos, a incidência independe da
denominação e demais características do rendimento, reguladas as
condições da disponibilidade quando oriundos do exterior.
Mas,
quaisquer que sejam as alterações impostas por lei, sabemos que
prevalecem as regras constitucionais, vendo-se no artigo 7º da nossa
Lei Maior que aos trabalhadores são concedidas diversas garantias,
que, integrando o Título II, são Direitos e Garantias Fundamentais,
ou seja, cláusulas pétreas (artigo 60, parágrafo 4º).
Dentre
tais cláusulas, uma delas trata da irredutibilidade do salário, o
que vem sendo ignorado por manobra tributária, sempre que o fisco
deixa de corrigir a tabela de retenção do imposto conforme a
variação da inflação.
Já
houve um tempo em que determinada autoridade fazendária afirmou que
a tabela não seria corrigida, porque a inflação havia sido
extinta. O descaramento dessa afirmativa é tão ofensiva, tão
mentirosa, que não merece comentários.
Por
outro lado, a atual correção feita numa alíquota pré-determinada
de 4,5% é falsa e ilegítima. Falsa, pois não há como a variação
do poder aquisitivo da moeda possa ser prevista para os próximos
doze meses. Ilegítima, pois resulta tal fixação de acordo
realizado por supostas lideranças sindicais que, além de não
possuírem qualquer autoridade para fixar índices, não são
representantes do povo.
Note-se
que o índice serve para todos os contribuintes, mesmo os que
pertençam a outras categorias ou a nenhuma delas. Sempre é bom
lembrar que não estamos numa república sindicalista, mas num Estado
Democrático de Direito.
Portanto,
ao não atualizar a tabela do imposto de renda conforme os índices
da inflação, o fisco apropria-se do que não é seu.
O
fato de que existe um compromisso de devolver as retenções que
ultrapassem o valor do tributo devido, não dá qualquer legitimidade
à cobrança. É como se o ladrão da esquina não merecesse pena
alguma, caso prometa devolver o que roubou com as correções
devidas.
Mas
não basta atualizar os valores da tabela. Também é preciso que os
abatimentos e deduções sejam tratados com realidade. Sem isso, o
confisco continua, o roubo permanece.
Ora,
neste ano o contribuinte só poderá deduzir R$ 3.091 a título de
gastos com educação para si ou para cada dependente, o que dá
cerca de R$ 250,00 por mês. Não existe uma escola, por mais singela
que seja, onde se cobra isso! Uma escola fundamental, de bairro da
periferia, cobra quase o dobro!
Qualquer
pessoa, minimamente informada, sabe que educação não é despesa,
mas investimento. Também é evidente que a família não coloca seu
filho no ensino privado por uma razão qualquer.
Na
educação de base, os governos de todos os níveis desta república
optaram por nos enganar com um arremedo de ensino público, onde
professores são humilhados com salários ridículos e também os
pais dos alunos são humilhados quando se lhes dizem que as crianças
vão à escola por causa da merenda!
Já
mencionamos aqui
que
o Supremo Tribunal Federal, por maioria, negou o recurso apresentado
pelo Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte, que pretendia obter
a correção automática da tabela de retenção do imposto de renda
de acordo com a variação da Ufir. A decisão demorou quase uma
década!
Mas,
mesmo vencido, o melhor voto, o mais lúcido e corajoso foi o do
ministro Marco Aurélio, do qual temos a obrigação de destacar dois
trechos expressivos:
“Os
princípios da legalidade, da capacidade contributiva e do
não-confisco direcionam, a mais não poder, à atualização
automática da tabela decorrente da lei em comento — 9.250/95 —
mantendo-a com a mesma força normativa que tinha em 1995, e aí,
cumpre notar a conversão dos débitos fiscais, das pessoas naturais,
da expressão Ufir para Reais...”
“O
Estado não pode ludibriar, espoliar ou prevalecer-se da fraqueza ou
ignorância alheia. Não se admite que tal ocorra nem mesmo dentro
dos limites em que seria lícito ao particular atuar.”
Pois
é isso que o Estado está fazendo no caso: ludibriar e espoliar. E
tem mais: as restituições estão se transformando em verdadeiras
armadilhas, em autênticos estelionatos que a Receita Federal aplica
ao contribuinte, criando todo o tipo de embaraços para impedi-las ou
retardá-las.
O
imposto de renda poderia e deveria ser o tributo mais justo que
pagamos. Todavia, a legislação tributária brasileira vem sendo
distorcida ou apenas ignorada. Assim, não se paga imposto sobre
renda e proventos (depois de deduzidos os abatimentos corretamente
admitidos), mas sofre o contribuinte confisco travestido de imposto,
ignorado o artigo 150 da Constituição Federal.
Ao
fixar limites irreais, ridículos e desonestos para os abatimentos ou
deduções que podemos fazer, nosso legisladores ou autoridades
(alguns atos administrativos também cuidam disso) acabam por nos
confiscar, furtar, extorquir, enfim, a nos roubar descaradamente!
Os
valores admitidos para dedução com “despesas escolares” não
são suficientes para pagar a mais modesta escola da mais longínqua
periferia. Além disso, ao não permitir deduções com escolas de
idiomas e informática, o fisco revela sua enorme ignorância, agindo
na contra-mão da história, pois todo e qualquer conhecimento,
especialmente de informática e línguas, é indispensável para
obter trabalho no mundo atual.
Ou
as nossas autoridades são totalmente ignorantes, ou estão se
comportando de forma desonesta, tolhendo a dedução de abatimentos
necessários.
Também
a dedução dos dependentes é outra sacanagem fazendária. Com o
valor atual, de menos de R$ 200 por mês, não é possível
alimentar, vestir e cuidar de um dependente, qualquer que seja sua
idade. Trata-se de uma mentira deslavada, que impede o cidadão de
respeitar a autoridade fiscal. Quando o povo não pode respeitar a
autoridade, a democracia deixa de ser aceita e abre-se um campo
fértil para sistemas ditatoriais.
Não
há a menor dúvida de que a lei deve ser revista, pois é
indispensável que o contribuinte (pessoa física) veja afastadas as
injustiças de que é vítima. Parece que não precisamos fazer uma
convulsão social para termos uma tributação adequada. Ou
precisamos?
Raul
Haidar é
jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de
Ética e
Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista
ConJur.
Revista
Consultor
Jurídico,
1º de abril de 2013”